domingo, 30 de março de 2008

:: Miopia

"Sempre enxerguei muito bem". Esta frase fez parte do meu repertório por muito tempo. Fazia muito sentido, aliás. Não faz mais. Tudo começou por volta do último mês de dezembro quando, durante as compras de natal num shopping, percebi que só conseguia identificar as feições dos rostos das pessoas quando elas se aproximavam bastante. Por alguns instantes imaginei que se algumas delas fossem conhecidas provavelmente pensariam 'nossa, como ele é mal educado', pois certamente não as cumprimentei quando e se elas passaram por mim. A partir de então comecei a reparar que do fundo da sala de aula já não identificava algumas coisas escritas por mim mesmo no quadro.

Oftalmologista urgente!

Consulta, alguns exames, faltou um, semanas de espera, pintou um encaixe, teste ortóptico, dificuldade de convergência, dilatação de pupilas, exame de fundo de olho. Miopia.

Até então tudo estava bem. Eu não enxergava como antes, mas o problema fora diagnosticado e eu poderia, de posse de minha prescrição, encomendar meus óculos. Ótimo. Fui a algumas óticas e experimentei duas dúzias de armações. Dúvida: esta ou aquela? Esta! Cadê a prescrição, esqueci, volto outro dia. Pronto, tudo perfeito, óculos prontos.

Quando tive o primeiro contato com o mundo exterior já era noite. Mas tudo se iluminou.

Está certo que durante os exames no oftalmologista eu já tinha constatado a dificuldade de visão. Mas no oftalmologista a gente constata isso a partir da leitura de letras imóveis, chatas, monocromáticas, magrelas. E tudo isso em uma sala escura. E então foi um grande choque sair à rua usando os óculos. O mundo real é muito mais interessante do que uma salinha escura. As placas distantes ganharam palavras que de longe, até outro dia, pareciam não existir. Os rostos, de forma impressionante, ganharam expressões mais nítidas. As poças d'água refletiam as luzes dos letreiros com um brilho intenso.

Então fiquei me perguntando em que momento da minha vida eu comecei a enxergar menos. Em dezembro o estágio já estava bem avançado. E antes de dezembro? Quantos foram os meses, quem sabe os anos, ao longo dos quais percebi com menos intensidade as cores e as formas que se apresentaram diante de meus olhos míopes? Quantos detalhes e nuances perdidos...

6 comentários:

André Lima disse...

Então, pensa pelo lado bom. Quantas integrantes certas do saquinho dos mais feios que vc se poupou de ver. Mas uma coisa se explica. Você ter achado minha escola caída e a sua merecedora do título. Hehe...

Vitor Castro disse...

A visão é mesmo... alguma coisa dífícil de definir em uma palavra.

Impressioante como damos mais valor ao que vemos quando percebemos que temos dificuldade de ver (mas isso é com tudo. Perdeu, começa a dar valor. Mas visão é uma perda meio irreparável - não fossem os óculos, lentes, ets.).

Mas hoje, por acaso hoje mesmo, segunda feira, passei em frente a uma ótima e me perguntei a partir da frase estampada "óculos completo": existe um óculos? Ou seriam sempre no mínimo dois, uma pra cada vista? Pergunta pro professor de português aí...

Mas falo da visão porque a miopia faz parte também de minha vida. Mas há mais tempo. coisa de 15 anos atrás. Começou fraca, coisa de 0,50, depois 0,75, 1,00, e foi só aumentando. E é impressionante como não percebemos que ela aumenta assim até irmos ao oftalmologista e ele diagnosticar que a miopia aumentou. Novos óculos (ou novo óculos?) e percebemos que estavamos quase cegos e não percebíamos.

E como é bom enxergar bem! (na verdade já preciso de novos óculos (ou novo óculos), mas como uma lente de 4 graus não é tão barata, vou adiando...)

Ah, Faber, depois de uma ressaca prolongada, o Buteco volta a servir seus leitores.

Abraços etílicos,

B. Homsi disse...

"Então fiquei me perguntando em que momento da minha vida eu comecei a enxergar menos".

Que metafórico, Faber XD
Brincadeira.

Parece "consolo", mas de fato eu também tenho visto as coisas do quadro um pouco embaçadas à distância que me situo na sala. Mas aí já não sei quando a vista embaçada por lágrimas de sono se diferencia de um possível problema de visão..
De qualquer maneira, vou chegar mais cedo pra sentar na frente, só por precaução.

E as coisas são ótimas quando a gente é novinho, né? Depois vem problema de coluna, alimentação, visão.. blá blá blá.

**

Cartas têm charme quando você as recebe, não quando tem de mandar. Fiquei um ano na preguiça XD

obs: dá uma lida no novo post, tem a ver com o que a gente discutiu um tempinho atrás.

Anônimo disse...

Juro que quando li que foi durante o mês de dezembro em um shopping que vc percebeu que sua vista não ia bem, já ia dizer que o problema não era com sua vista e sim com os preços cada vez menores(pelo menos em tamanho da letra na vitrine).

certezasmutantes.wordpress.com

Suzana disse...

hum, digamos que eu penso levemente ao contrário. sempre soube da minha miopia crescente desde os 10 anos. sempre usei óculos e/ou lentes... é a primeira coisa que faço dos meus dias: colocar as lentes pra começar a viver.

mas, vendo aquele filme "Janela da Alma" há uns anos atrás, um dos entrevistados - míope de, sei lá, 15 graus há muitos anos - diz que quando voltava do trabalho, ele gostava de tirar os óculos e ficar "vendo" as coisas daquela maneira embaçada... a partir de então, passei a me dar mais momentos sem lentes de contato e a admirar o mundo de forma mais embaçada. é ótimo, descansa, tira o peso, intensifica...

engraçado como, quando um dos sentidos capenga, os outros se tornam mais latentes.

são pontos de vista e pontos de vista. ou não, né...!

Anônimo disse...

e percebem que o ser humano so consegue ver 15% do que realmente as coisas são.

Já pensou se enxergassemos como as cameras "kirlem" capturam?