Imagine que um pote de mel virou sobre um gramado, derramando uma doce onda dourada. Imagine também que este gramado serve de residência para uma imensa colônia de formigas. Agora associe uma coisa à outra e imagine o resultado.
É bastante óbvio que hordas de formigas invadirão o gramado para deleitarem-se na piscina caramelizada. Eu ia escrever agora que também é óbvio que as formigas levariam, de pouquinho em pouquinho, todo aquele mel para sua casa. Mas me ocorreu que para que isto fosse óbvio seria melhor que lá no início da minha historinha eu usasse o exemplo de um pote de açúcar e uma doce avalanche, já que não me é muito claro se formigas levam coisas líquidas pra dentro do formigueiro. Enfim, o que quero dizer é que formigas não dispensam uma oferta de comida e vivem uma rotina árdua de coletar tudo o que encontrarem hoje já que não sabem como será o amanhã.
Eu estava na Avenida Brasil e os carros fluíam muito rapidamente pelas pistas razoavelmente conservadas daquele trecho próximo à Magalhães Bastos. Meu destino era Bangu, onde um churrasco de encerramento das atividades letivas me aguardava. De repente luzes de alerta começaram a piscar e o trânsito parou. Lentamente atravessei os cerca de 500 metros de engarrafamento que me separavam de um caminhão de cervejas tombado sobre o Viaduto que dá acesso à Realengo.
Foi então que uma cena me chamou a atenção e me deixou bastante angustiado. Não pelo que vi, na verdade, mas pelo que pensei a partir de então. Centenas de pessoas cruzavam as pistas, vindas dos barracos que entopem as estreitas travessas perpendiculares à avenida. Seu objetivo não era ver o acidente, mas coletar os engradados espalhados pelo asfalto e as latinhas azuis que rolavam viaduto abaixo. Eram mulheres, homens, senhores, crianças. Eram muitos e todos carregavam o máximo que podiam. Um deles trazia um carrinho de mão e exibia um imenso sorriso de satisfação com a conquista.
Não quero comparar aquelas pessoas às formigas no sentido de animalizá-las, longe disso. Mas, como as formigas, aquelas pessoas não queriam saber de quem era o pote de mel. A única coisa que as interessava era garantir que aquela oferta não fosse desperdiçada. É verdade que ninguém garante a alimentação com cerveja, mas aquela cerveja garantirá uma comemoração, um brinde, um churrasco como o que me esperava em Bangu, com a diferença de que não seria preciso desviar uma parte do magro orçamento para custeá-lo.
Ouvi algumas pessoas resmungarem que era desrespeito com a propriedade privada, que 'aqueles animais' não tinham educação. Estas pessoas viam a mesma cena, mas o desrespeito que eu enxergava era outro.
Um comentário:
No fundo, no fundo, ambos: formigas e homens desejam apenas uma vida mais doce!
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